The Rape of Europa.
Amigos do Fingidor
quarta-feira, 30 de junho de 2010
exercício nº 12
Zemaria Pinto
à fronte guarda sombras de outras eras
e um par de olhos tão tristes, que canção
alguma alcança. fixas ancas lançam
o rabo que balança ao som do vento.
a branca estrada sob o ubre úmido
é o caminho da força eclipsada
à meia-lua que se forma em aura
no cósmico avatar da terra farta.
esta a imagem da Vaca, impura e bela.
à tortura ordenada indiferente,
as asas ruflam num ruído surdo
buscando o largo campo do universo:
a Vaca precipita-se no espaço,
o olhar perdido nalgum vão do éter.
à fronte guarda sombras de outras eras
e um par de olhos tão tristes, que canção
alguma alcança. fixas ancas lançam
o rabo que balança ao som do vento.
a branca estrada sob o ubre úmido
é o caminho da força eclipsada
à meia-lua que se forma em aura
no cósmico avatar da terra farta.
esta a imagem da Vaca, impura e bela.
à tortura ordenada indiferente,
as asas ruflam num ruído surdo
buscando o largo campo do universo:
a Vaca precipita-se no espaço,
o olhar perdido nalgum vão do éter.
terça-feira, 29 de junho de 2010
Adamas
Nelson Castro
Abro como um livro
O lado direito
à mão do poeta
e leio versos perfeitos
de rimas raras
em linhas transversas.
Beijo-a...
E sinto à flor da pele
a quinta-essência da poesia.
Abro como um livro
O lado esquerdo
à mão do poeta
e leio o mapa traçado
o itinerário que leva
à jazida encantada dos adamas.
Beijo-a...
E sinto uma lágrima
cair na mão do poeta
e no mesmo feérico instante
transforma-a em diáfano diamante.
Mas nada mais belo
quando as mãos do poeta
fecham-se em laço
de um lírico abraço
em celebração ao milagre da vida.
Para Zemaria Pinto
Abro como um livro
O lado direito
à mão do poeta
e leio versos perfeitos
de rimas raras
em linhas transversas.
Beijo-a...
E sinto à flor da pele
a quinta-essência da poesia.
Abro como um livro
O lado esquerdo
à mão do poeta
e leio o mapa traçado
o itinerário que leva
à jazida encantada dos adamas.
Beijo-a...
E sinto uma lágrima
cair na mão do poeta
e no mesmo feérico instante
transforma-a em diáfano diamante.
Mas nada mais belo
quando as mãos do poeta
fecham-se em laço
de um lírico abraço
em celebração ao milagre da vida.
segunda-feira, 28 de junho de 2010
Estante do tempo
Igapó
Américo Antony (1895-1970)
Há uma escura paragem de saudades
Onde a água esconde as tradições amigas...
Onde a água chora umas canções antigas...
Onde a água geme... e é quase divindade.
Lá o rio oculta amplas fadigas,
E as sombras abrem em flor de suavidade,
E espera, e dorme, e sonha a eternidade
De insetos de ouro, e prónubas formigas...
Teto de selva e leito de água e trevas
Onde aves de mil cores bebem alma
Dos beijos nidiquidrópicos da palma...
Estoar de pólen, luz de água lembrando
Retinas mortas... gerações primevas...
Líquidos olhos de pajés boiando...
Américo Antony (1895-1970)
Há uma escura paragem de saudades
Onde a água esconde as tradições amigas...
Onde a água chora umas canções antigas...
Onde a água geme... e é quase divindade.
Lá o rio oculta amplas fadigas,
E as sombras abrem em flor de suavidade,
E espera, e dorme, e sonha a eternidade
De insetos de ouro, e prónubas formigas...
Teto de selva e leito de água e trevas
Onde aves de mil cores bebem alma
Dos beijos nidiquidrópicos da palma...
Estoar de pólen, luz de água lembrando
Retinas mortas... gerações primevas...
Líquidos olhos de pajés boiando...
domingo, 27 de junho de 2010
Minha pátria é minha língua
Profissão de Fé
Carvalho Júnior (1855-1879)
Odeio as virgens pálidas, cloróticas,
Beleza de missal que o romantismo
Hidrófobo apregoa em peças góticas,
Escritas nuns acessos de histerismo.
Sofismas de mulher, ilusões óticas,
Raquíticos abortos do lirismo,
Sonhos de carne, compleições exóticas,
Desfazem-se perante o realismo.
Não servem-me esses vagos ideais
Da fina transparência dos cristais,
Almas de santa e corpos de alfenim.
Prefiro a exuberância dos contornos,
As belezas da forma, seus adornos,
A saúde, a matéria, a vida enfim.
Carvalho Júnior (1855-1879)
Odeio as virgens pálidas, cloróticas,
Beleza de missal que o romantismo
Hidrófobo apregoa em peças góticas,
Escritas nuns acessos de histerismo.
Sofismas de mulher, ilusões óticas,
Raquíticos abortos do lirismo,
Sonhos de carne, compleições exóticas,
Desfazem-se perante o realismo.
Não servem-me esses vagos ideais
Da fina transparência dos cristais,
Almas de santa e corpos de alfenim.
Prefiro a exuberância dos contornos,
As belezas da forma, seus adornos,
A saúde, a matéria, a vida enfim.
sábado, 26 de junho de 2010
Poesia em tradução
Soneto
Félix Arvers (1806-1850)
Tenho n’alma um segredo e um mistério na vida:
É este amor imortal gerado num momento;
Sufoco-o, pois não espera alívio o meu tormento
– E não vê, quem o causa, a minha alma dorida!
Por ela – ai! –, passarei, sombra despercebida,
Sempre a seu lado e sempre só, e em desalento!
E hei de findar, morrer neste martírio lento,
Sem pedir, sem ousar, sem uma graça obtida.
Embora doce e terna, essa que me alanceia
Irá continuando o seu caminho, alheia
A este amor que em murmúrio a segue onde ela vá.
Presa ao dever, tranquila, honestamente bela,
Talvez pergunte, ao ler versos tão cheios dela:
“Que mulher será esta?” – e não compreenderá.
(Trad. Gondin da Fonseca)
Félix Arvers (1806-1850)
Tenho n’alma um segredo e um mistério na vida:
É este amor imortal gerado num momento;
Sufoco-o, pois não espera alívio o meu tormento
– E não vê, quem o causa, a minha alma dorida!
Por ela – ai! –, passarei, sombra despercebida,
Sempre a seu lado e sempre só, e em desalento!
E hei de findar, morrer neste martírio lento,
Sem pedir, sem ousar, sem uma graça obtida.
Embora doce e terna, essa que me alanceia
Irá continuando o seu caminho, alheia
A este amor que em murmúrio a segue onde ela vá.
Presa ao dever, tranquila, honestamente bela,
Talvez pergunte, ao ler versos tão cheios dela:
“Que mulher será esta?” – e não compreenderá.
(Trad. Gondin da Fonseca)
sexta-feira, 25 de junho de 2010
Ao meu computador
Marco Catalão
Vamos morrer reunidos, meu irmão!
Em poucos anos, tu ficaste antigo;
e a obsolescência que ocorreu comigo
foi bem pior: roeu meu coração...
Ah! Esta noite é a noite do apagão!
Passei muito mais tempo aqui, contigo,
do que com a amante ou com o melhor amigo,
e é pra ti que os meus suspiros vão!
Não morrerão, porém, os teus arquivos!
Salvos num site obscuro, mas seguro,
eles perdurarão, absurdos, vivos,
pelo ciberespaço, a flutuar,
até encontrarem o leitor futuro
que os possa compreender... ou deletar.
Vamos morrer reunidos, meu irmão!
Em poucos anos, tu ficaste antigo;
e a obsolescência que ocorreu comigo
foi bem pior: roeu meu coração...
Ah! Esta noite é a noite do apagão!
Passei muito mais tempo aqui, contigo,
do que com a amante ou com o melhor amigo,
e é pra ti que os meus suspiros vão!
Não morrerão, porém, os teus arquivos!
Salvos num site obscuro, mas seguro,
eles perdurarão, absurdos, vivos,
pelo ciberespaço, a flutuar,
até encontrarem o leitor futuro
que os possa compreender... ou deletar.
quinta-feira, 24 de junho de 2010
Dúvida?
Ana Célia Ossame
À noite, uma fera indecifrável
sai de mim
e escreve teu nome nos muros,
nos ônibus, no suor dos copos,
no sereno das vidraças...
Depois a fera volta
e finge que é feliz.
À noite, uma fera indecifrável
sai de mim
e escreve teu nome nos muros,
nos ônibus, no suor dos copos,
no sereno das vidraças...
Depois a fera volta
e finge que é feliz.
quarta-feira, 23 de junho de 2010
Dabacuri – amazônica 16
Zemaria Pinto
dando vez à chuva
o sol causticante sai
– verão no Madeira
de margem a margem,
a tarde tem uma cor
– borboletas amarelas
dando vez à chuva
o sol causticante sai
– verão no Madeira
de margem a margem,
a tarde tem uma cor
– borboletas amarelas
terça-feira, 22 de junho de 2010
Natureza mortal
Roberto Gama Lopes
Eu vi a árvore descendo o rio
Com muitas outras presas em lamento
Sendo levadas para o esquecimento
Numa prisão de dor, calor e frio.
No ir e vir do banzeiro que assombra
Senti a dor deste triste arvoredo
Minh’alma tremia seguindo o cortejo
De morte daquela que fazia sombra.
As aves trinavam num coro tristonho
O destino errôneo do sofrido ninho
A trágica perda do seu habitat.
Tal qual essas aves perdi os meus sonhos
Olhando esses troncos deitados no rio
Descendo a corrente pra não mais voltar.
Eu vi a árvore descendo o rio
Com muitas outras presas em lamento
Sendo levadas para o esquecimento
Numa prisão de dor, calor e frio.
No ir e vir do banzeiro que assombra
Senti a dor deste triste arvoredo
Minh’alma tremia seguindo o cortejo
De morte daquela que fazia sombra.
As aves trinavam num coro tristonho
O destino errôneo do sofrido ninho
A trágica perda do seu habitat.
Tal qual essas aves perdi os meus sonhos
Olhando esses troncos deitados no rio
Descendo a corrente pra não mais voltar.
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Terça-feira
segunda-feira, 21 de junho de 2010
Estante do tempo
Súplicas
Elias Gavinho (1895-1935)
Ó ternas ilusões da minha mocidade,
Suaves como a luz, heróicas, graciosas
Voltai a mim, voltai, brancas e luminosas
Espargindo alegria a esta mútua saudade.
Vós sois da vida o deus, vós sois a hilaridade
De quimeras sem fim: imáculas, airosas,
Sois pérolas d’orvalho em tranças majestosas
Onde pompeia a luz feérica verdade.
Se de ilusões outrora, alegre, satisfeito,
Almejava um só fim, risonho e não funéreo,
Por que deixais agora arder-me em febre o peito?...
Ó minhas ilusões, ó meu viver aéreo,
Não mais me abandoneis: volvei-me o casto efeito
Desse viver feliz, num louco refrigério.
Elias Gavinho (1895-1935)
Ó ternas ilusões da minha mocidade,
Suaves como a luz, heróicas, graciosas
Voltai a mim, voltai, brancas e luminosas
Espargindo alegria a esta mútua saudade.
Vós sois da vida o deus, vós sois a hilaridade
De quimeras sem fim: imáculas, airosas,
Sois pérolas d’orvalho em tranças majestosas
Onde pompeia a luz feérica verdade.
Se de ilusões outrora, alegre, satisfeito,
Almejava um só fim, risonho e não funéreo,
Por que deixais agora arder-me em febre o peito?...
Ó minhas ilusões, ó meu viver aéreo,
Não mais me abandoneis: volvei-me o casto efeito
Desse viver feliz, num louco refrigério.
domingo, 20 de junho de 2010
Minha pátria é minha língua
Os versos que te fiz
Florbela Espanca (1894-1930)
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
Florbela Espanca (1894-1930)
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que a minha boca tem pra te dizer!
São talhados em mármore de Paros
Cinzelados por mim pra te oferecer.
Têm dolência de veludos caros,
São como sedas pálidas a arder…
Deixa dizer-te os lindos versos raros
Que foram feitos pra te endoidecer!
Mas, meu Amor, eu não tos digo ainda…
Que a boca da mulher é sempre linda
Se dentro guarda um verso que não diz!
Amo-te tanto! E nunca te beijei…
E nesse beijo, Amor, que eu te não dei
Guardo os versos mais lindos que te fiz!
sábado, 19 de junho de 2010
Poesia em tradução
Romance da Menina Preta
Luiz Cané (1897-1957)
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
à porta de sua casa
estava a menina preta.
Grande laçarote branco
lhe ornamentava a cabeça;
e, pelo pescoço, muitas
voltas de contas vermelhas.
As outras crianças do bairro
brincavam com as companheiras.
As outras crianças do bairro
nunca brincavam com ela.
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
no seu silêncio sem lágrimas
chorava a menina preta.
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
dentro de um caixão de pinho
descansa a menina preta.
Um anjo branco à presença
de Deus a menina leva.
Não sabe a menina preta
se há de estar triste ou alegre.
Deus afaga-lhe a cabeça,
contemplando-a docemente,
e um lindo par de asas brancas
às suas espáduas prende.
Com seus dentes de canjica
sorri a menina preta.
Deus chama todos os anjos
e diz: “vão brincar com ela!”
(Trad. Cecília Meireles)
Luiz Cané (1897-1957)
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
à porta de sua casa
estava a menina preta.
Grande laçarote branco
lhe ornamentava a cabeça;
e, pelo pescoço, muitas
voltas de contas vermelhas.
As outras crianças do bairro
brincavam com as companheiras.
As outras crianças do bairro
nunca brincavam com ela.
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
no seu silêncio sem lágrimas
chorava a menina preta.
Toda vestida de branco,
muito engomadinha e quieta,
dentro de um caixão de pinho
descansa a menina preta.
Um anjo branco à presença
de Deus a menina leva.
Não sabe a menina preta
se há de estar triste ou alegre.
Deus afaga-lhe a cabeça,
contemplando-a docemente,
e um lindo par de asas brancas
às suas espáduas prende.
Com seus dentes de canjica
sorri a menina preta.
Deus chama todos os anjos
e diz: “vão brincar com ela!”
(Trad. Cecília Meireles)
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sexta-feira, 18 de junho de 2010
Glauber morto
Ferreira Gullar
O morto
não está de sobrecasaca
não está de casaca
não está de gravata.
O morto está morto
não está barbeado
não está penteado
não tem na lapela
uma flor
não calça
sapatos de verniz
não finge de vivo
não vai tomar posse
na Academia.
O morto está morto
em cima da cama
no quarto vazio.
Como já não come
como já não morre
enfermeiras e médicos
não se ocupam mais dele.
Cruzaram-lhe as mãos
ataram-lhe os pés.
Só falta embrulhá-lo
e jogá-lo fora.
O morto
não está de sobrecasaca
não está de casaca
não está de gravata.
O morto está morto
não está barbeado
não está penteado
não tem na lapela
uma flor
não calça
sapatos de verniz
não finge de vivo
não vai tomar posse
na Academia.
O morto está morto
em cima da cama
no quarto vazio.
Como já não come
como já não morre
enfermeiras e médicos
não se ocupam mais dele.
Cruzaram-lhe as mãos
ataram-lhe os pés.
Só falta embrulhá-lo
e jogá-lo fora.
quinta-feira, 17 de junho de 2010
As mãos
Cláudio Fonseca
Vem-me sempre essa visão:
sou levado pela mão
em uma escadaria.
Tão antiga a outra mão...
E que forte a impressão
em sua anatomia!
Que saudade é essa mão?
Quem seria o charlatão
de ourivesaria
que repõe as nossas mãos,
com a doce ilusão
e uma simetria?
Vem-me sempre essa visão:
sou levado pela mão
em uma escadaria.
Tão antiga a outra mão...
E que forte a impressão
em sua anatomia!
Que saudade é essa mão?
Quem seria o charlatão
de ourivesaria
que repõe as nossas mãos,
com a doce ilusão
e uma simetria?
quarta-feira, 16 de junho de 2010
aurora
Zemaria Pinto
aurora luz/escuridão
quebra ruptura
aurora alumbramento
dor choro prazer
gozo solidão
aurora paz
guerra terremoto enchente
ternura encantamento
aurora acanhamento
recolhimento
explosão
aurora luz
aurora escuridão
– ou não?
– ou não?
aurora luz/escuridão
quebra ruptura
aurora alumbramento
dor choro prazer
gozo solidão
aurora paz
guerra terremoto enchente
ternura encantamento
aurora acanhamento
recolhimento
explosão
aurora luz
aurora escuridão
– ou não?
– ou não?
terça-feira, 15 de junho de 2010
segunda-feira, 14 de junho de 2010
Estante do tempo
Inverno
Álvaro Maia (1893-1969)
I
Vai morrendo a alegria dos estios,
num retintim de pompas e fanfarras:
bandos de pombos em revoos sombrios,
periquitos em loucas algazarras...
A água se espalha em volumosos fios,
que a terra escarvam, ferem como garras...
Fogem do espaço os fracos vozerios
das aves, das abelhas, das cigarras...
Os rios, como veias rebentadas,
dão o sangue lustral – a água que escorre –
às margens, em torrentes e enxurradas...
Há vozes pela selva, em canto eterno
– voz de saudades ao verão que morre,
– voz de exorcismos ao vindouro inverno!
Álvaro Maia (1893-1969)
I
Vai morrendo a alegria dos estios,
num retintim de pompas e fanfarras:
bandos de pombos em revoos sombrios,
periquitos em loucas algazarras...
A água se espalha em volumosos fios,
que a terra escarvam, ferem como garras...
Fogem do espaço os fracos vozerios
das aves, das abelhas, das cigarras...
Os rios, como veias rebentadas,
dão o sangue lustral – a água que escorre –
às margens, em torrentes e enxurradas...
Há vozes pela selva, em canto eterno
– voz de saudades ao verão que morre,
– voz de exorcismos ao vindouro inverno!
domingo, 13 de junho de 2010
Minha pátria é minha língua
Soneto para o Século XX
Pethion de Vilar (1870-1924)
Dizem que a arte de Goethe é uma arte anacrônica
Coeva do mamute e das larvas primárias;
Que Homero não passou de uma abantesma trágica
Vislumbrada através de névoas milenárias;
Dizem que todos nós lembramos uns ridículos
Idólatras senis de coisas funerárias,
E andamos a colher – incuráveis maníacos –
Em cinzas hibernais, flores imaginárias;
Dizem que a Poesia há muito está cadáver;
Que a rima faz cismar num guiso de funâmbulo
Monótono, a tinir no trampolim do Verso...
Que importa? se a bendita, essa loucura mística
Entorna em nossa Mágoa o leite do papáver
E abre à nossa volúpia o azul de outro Universo?
Pethion de Vilar (1870-1924)
Dizem que a arte de Goethe é uma arte anacrônica
Coeva do mamute e das larvas primárias;
Que Homero não passou de uma abantesma trágica
Vislumbrada através de névoas milenárias;
Dizem que todos nós lembramos uns ridículos
Idólatras senis de coisas funerárias,
E andamos a colher – incuráveis maníacos –
Em cinzas hibernais, flores imaginárias;
Dizem que a Poesia há muito está cadáver;
Que a rima faz cismar num guiso de funâmbulo
Monótono, a tinir no trampolim do Verso...
Que importa? se a bendita, essa loucura mística
Entorna em nossa Mágoa o leite do papáver
E abre à nossa volúpia o azul de outro Universo?
sábado, 12 de junho de 2010
Poesia em tradução
Ave viúva pousada
Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
Ave viúva pousada
Chorando por seu amado
Sobre um ramo regelado
Acima o vento gelado
Se arrasta sobre o riacho
A congelar-se lá embaixo
Folha alguma, a floresta, recobria
Sobre o solo nenhuma flor subia
E pouco movimento lá no ar
Só a roda de moinho a soar.
(Trad. José Lino Grünewald)
Percy Bysshe Shelley (1792-1822)
Ave viúva pousada
Chorando por seu amado
Sobre um ramo regelado
Acima o vento gelado
Se arrasta sobre o riacho
A congelar-se lá embaixo
Folha alguma, a floresta, recobria
Sobre o solo nenhuma flor subia
E pouco movimento lá no ar
Só a roda de moinho a soar.
(Trad. José Lino Grünewald)
sexta-feira, 11 de junho de 2010
Segundo ato
Beatriz Escorcio Chacon
Eu já fui amorosa
e cálida
tive até um diário
água-com-açúcar
com cadeado.
Eu agora sou tão
apaixonada
que abro pernas
e pingo sangue
diariamente
na lira dos meus tantos anos.
Eu já fui amorosa
e cálida
tive até um diário
água-com-açúcar
com cadeado.
Eu agora sou tão
apaixonada
que abro pernas
e pingo sangue
diariamente
na lira dos meus tantos anos.
quinta-feira, 10 de junho de 2010
Coração couraçado
Astrid Cabral
Tempestades em oceanos
ou em copos d’água
e não peço a Deus balsas
barcaças nem praias.
Só um coração couraçado.
Desses que no lombo
das ondas vão sem tombos
o convés em festa.
Iluminado.
Tempestades em oceanos
ou em copos d’água
e não peço a Deus balsas
barcaças nem praias.
Só um coração couraçado.
Desses que no lombo
das ondas vão sem tombos
o convés em festa.
Iluminado.
quarta-feira, 9 de junho de 2010
Dabacuri – amazônica 15
Zemaria Pinto
verde verde verde
ora mais claro, ora escuro
verde verde, sempre
vida à beira-rio:
igreja, escola, seis casas
– o mais é imenso
verde verde verde
ora mais claro, ora escuro
verde verde, sempre
vida à beira-rio:
igreja, escola, seis casas
– o mais é imenso
terça-feira, 8 de junho de 2010
Sonho de Poema
Rosa Clement
Há um belo poema no meu sonho
que nunca vem comigo quando acordo
pois só enquanto durmo é que recordo
de todas as estrofes que componho.
Meu semblante se torna mais risonho
e surpresa com minha arte transbordo
em risos certa que trarei a bordo
de minha mente os versos que disponho.
Porém a ilusão é um defeito
do sonho que me traz a poesia
e a vaidade que me invade o peito.
Então sinto que tudo está desfeito.
As palavras não são as que eu queria
e o meu poema fica preso ao leito.
Há um belo poema no meu sonho
que nunca vem comigo quando acordo
pois só enquanto durmo é que recordo
de todas as estrofes que componho.
Meu semblante se torna mais risonho
e surpresa com minha arte transbordo
em risos certa que trarei a bordo
de minha mente os versos que disponho.
Porém a ilusão é um defeito
do sonho que me traz a poesia
e a vaidade que me invade o peito.
Então sinto que tudo está desfeito.
As palavras não são as que eu queria
e o meu poema fica preso ao leito.
segunda-feira, 7 de junho de 2010
Estante do tempo
Luar amazônico
Mavignier de Castro (1891-1970)
Verão. Rio em deflúvio. A lua cheia
alonga perspectivas pela mata;
só a fauna da noite ali vagueia
à sombra errante que o luar dilata...
Álgido, estreito igarapé serpeia,
qual sinuosa lâmina de prata...
Que melopéia o urutauí flauteia
na solidão lunar da terra grata!
Amanhece; mas imitando um rito
sobre a mata flutua um véu de neve...
E o Sol – pátena de ouro do Infinito,
espera que no altar da selva nua,
o Sacerdote imaterial eleve
a imagem eucarística da lua!
Mavignier de Castro (1891-1970)
Verão. Rio em deflúvio. A lua cheia
alonga perspectivas pela mata;
só a fauna da noite ali vagueia
à sombra errante que o luar dilata...
Álgido, estreito igarapé serpeia,
qual sinuosa lâmina de prata...
Que melopéia o urutauí flauteia
na solidão lunar da terra grata!
Amanhece; mas imitando um rito
sobre a mata flutua um véu de neve...
E o Sol – pátena de ouro do Infinito,
espera que no altar da selva nua,
o Sacerdote imaterial eleve
a imagem eucarística da lua!
domingo, 6 de junho de 2010
Minha pátria é minha língua
Nosce te ipsum
Martins Fontes (1884-1937)
Quem serei? Quem sou eu? Não me conheço
e tu, meu sósia, te conheces já?
Estudaste a tua alma pelo avesso,
tua mortalidade que será?
Nota-me bem. Feito do mesmo gesso,
que o mesmo em tudo sejas. Oxalá!
E, sendo assim, contigo me pareço,
e, o que és, comigo se parecerá.
Verás, a olhar-me, tua imagem cara,
que a face é minha, mas o rosto é teu,
e a exatez a aparência desmascara.
Relembrarás alguém que ontem morreu,
e, reencarnado em mim, hoje te encara,
sem saber quem tu és, ou quem sou eu.
Martins Fontes (1884-1937)
Quem serei? Quem sou eu? Não me conheço
e tu, meu sósia, te conheces já?
Estudaste a tua alma pelo avesso,
tua mortalidade que será?
Nota-me bem. Feito do mesmo gesso,
que o mesmo em tudo sejas. Oxalá!
E, sendo assim, contigo me pareço,
e, o que és, comigo se parecerá.
Verás, a olhar-me, tua imagem cara,
que a face é minha, mas o rosto é teu,
e a exatez a aparência desmascara.
Relembrarás alguém que ontem morreu,
e, reencarnado em mim, hoje te encara,
sem saber quem tu és, ou quem sou eu.
sábado, 5 de junho de 2010
Poesia em tradução
Cabeça empinada, lá vem ele...
Georg Heym (1887-1912)
Cabeça empinada, lá vem ele por sobre os telhados
Arrastando seus cabelos amarelos,
O feiticeiro quieto, subindo para os aposentos do céu
Pelo sinuoso atalho de flores bem estrelado.
Embaixo, todos os animais na floresta e nas brenhas
Têm as cabeças limpas e penteadas,
Cantando o coral lunar. Mas as crianças,
De camisões brancos, ajoelham-se nas camas.
O mar infinito de minh’alma
Baixa devagar em suave maré.
Sou todo verde por dentro. Vou desaparecendo
Como um balão de vidro.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
Georg Heym (1887-1912)
Cabeça empinada, lá vem ele por sobre os telhados
Arrastando seus cabelos amarelos,
O feiticeiro quieto, subindo para os aposentos do céu
Pelo sinuoso atalho de flores bem estrelado.
Embaixo, todos os animais na floresta e nas brenhas
Têm as cabeças limpas e penteadas,
Cantando o coral lunar. Mas as crianças,
De camisões brancos, ajoelham-se nas camas.
O mar infinito de minh’alma
Baixa devagar em suave maré.
Sou todo verde por dentro. Vou desaparecendo
Como um balão de vidro.
(Trad. Claudia Cavalcanti)
sexta-feira, 4 de junho de 2010
A uma virgem
Campos D’Oliveira (1847-1911)
(Improviso)
Motora dos meus martírios!
Causa da minha saudade!
Ingênua e casta deidade!
Minha terna inspiração!
Condói-te da triste sorte
Do jovem que te ama tanto,
Que por ti verte agro pranto
Gerado no coração!
Rasga-me o peito, se queres,
E vê nele a intensa chama,
Que há três anos o inflama
Em cruas dores, sem fim...
De padecer já cansado
Vou sentindo a morte dura
Arrastar-me à sepultura,
E na flor da idade assim!...
E podes ser tão tirana,
Que possas ver indif’rente
D’anos dez’nove somente
Morrer o teu trovador?!
Ai! Não! Alenta-me a vida,
Reprime esta dor infinda
Dando-me só, virgem linda,
O teu puro e casto amor!...
(Improviso)
Motora dos meus martírios!
Causa da minha saudade!
Ingênua e casta deidade!
Minha terna inspiração!
Condói-te da triste sorte
Do jovem que te ama tanto,
Que por ti verte agro pranto
Gerado no coração!
Rasga-me o peito, se queres,
E vê nele a intensa chama,
Que há três anos o inflama
Em cruas dores, sem fim...
De padecer já cansado
Vou sentindo a morte dura
Arrastar-me à sepultura,
E na flor da idade assim!...
E podes ser tão tirana,
Que possas ver indif’rente
D’anos dez’nove somente
Morrer o teu trovador?!
Ai! Não! Alenta-me a vida,
Reprime esta dor infinda
Dando-me só, virgem linda,
O teu puro e casto amor!...
quinta-feira, 3 de junho de 2010
Rio Negro
Simão Pessoa
Invejo o silêncio escuro destas águas
como objeto de límpida inocência
onde o deslumbramento transitório
deste agressivo rio-mar
repousa equivocado e gasto.
Sou fluido e gesto
na paisagem radiante
que estas águas anunciam
além do pólen e da luz.
Como sede no deserto
assim me quero água:
retratando a fauna entristecida,
refazendo a flora devastada.
Invejo o silêncio escuro destas águas
como objeto de límpida inocência
onde o deslumbramento transitório
deste agressivo rio-mar
repousa equivocado e gasto.
Sou fluido e gesto
na paisagem radiante
que estas águas anunciam
além do pólen e da luz.
Como sede no deserto
assim me quero água:
retratando a fauna entristecida,
refazendo a flora devastada.
quarta-feira, 2 de junho de 2010
exercício nº 10
Zemaria Pinto
Às portas do Encantado me detenho
olhando o chão lavado por silêncios
buscando abismos, marcas de outras lendas
no lânguido rumor do riocorrente
E tu, Náiade minha, guardiã
do negronegro espelho espedaçado
em nenúfares lunares debruçada
feito Ofélia, em orquídeas mergulhada
desarma-te por fim de clava e clave
e assoma-te guerreira à montaria
à pele, à carne e ao fogo dos sentidos
À cabeceira de teu leito jazo
adormecido por noturnas vagas
de gozo e gozo e gozo e gozo e gozo
Às portas do Encantado me detenho
olhando o chão lavado por silêncios
buscando abismos, marcas de outras lendas
no lânguido rumor do riocorrente
E tu, Náiade minha, guardiã
do negronegro espelho espedaçado
em nenúfares lunares debruçada
feito Ofélia, em orquídeas mergulhada
desarma-te por fim de clava e clave
e assoma-te guerreira à montaria
à pele, à carne e ao fogo dos sentidos
À cabeceira de teu leito jazo
adormecido por noturnas vagas
de gozo e gozo e gozo e gozo e gozo
terça-feira, 1 de junho de 2010
Amigo poeta
Darlene Fernandes
Conheço um poeta
que escreve
palavras
no ar nítido
para enxergarmos
letras
invisíveis.
Conheço um poeta
que escreve
palavras
no ar nítido
para enxergarmos
letras
invisíveis.
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