Amigos do Fingidor

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Estante do tempo

Papéis velhos... roídos pela traça do Símbolo
Maranhão Sobrinho (1879-1915)



Primeira folha


Velhos papéis... de versos. São pedaços
da minhalma, batidos pelo vento,
como as folhas do outono... Guardam traços
de um tempo, que passou, sem pensamento...

Preso nalgema dos teus alvos braços
teci-os; cada um lembra um momento
do nosso amor que, por eternos laços,
outrora, nos unia a um firmamento...

Se alguma glória tem, formosa, é esta:
todos o teu celeste amor perfuma,
em todos há tualma em riso e festa!

Velhos papéis, meu último conforto!
sois uma nódoa efêmera de espuma
perdida à face azul dum lago morto...



Última folha


...E o mais dos carunchosos manuscritos
não se lê, pela traça que os carcome;
são páginas, talvez, feitas de gritos,
mas ilegíveis no mais breve nome...

Vê-se, porém, que mãos e olhos aflitos
traçaram-nas chorando, à sede e à fome
de beijos e de abraços infinitos,
em qualquer folha que nas mãos se tome...

A poeira de séculos de mágoa
deu às restantes folhas a tristeza
das ravinas e córregos sem água...

E à traça a mesma antiga opacidade
da história assíria, escrita nas aspereza
dos mármores sem-fim de Khorsabad...